domingo, julho 26, 2009


                                             AÍDA CÚRI

Em 4 de julho de l958 ocorreu um dos mais horrendos crimes do Brasil.
Em Copacabana, no Rio de Janeiro, por volta das 9 horas da noite, um corpo cai na Avenida Atlântica em frente ao edifício de 12 andares n. 3388.

Aída Curi, (muitos escreveriam Aída Cury), nome da mocinha de 18 anos, iria se tornar conhecido em todo o Brasil e até mesmo em outros países. Seus pais, Gattás Assad Curi e Jamila Jacob Curi, eram originários da cidade de Saydnaya, na Síria, e faziam parte da Igreja Melquita Católica. Aída tinha quatro irmãos , todos hoje ainda vivos. Quando ainda eram pequenos, Dona Jamila ficou viúva. Deixando Belo Horizonte, onde nascera Aída, (Av. Santos Dumont,436), foi para o Rio de Janeiro, sendo recebida pelas bondosas senhoras Alice e Flora dos Santos Moreira, e permanecendo durante muitos anos na escola por elas dirigida, a Escola Moreira do Riachuelo, bairro da zona norte do Rio.
Quanto a Aída, receberia formação esmerada num colégio de freiras espanholas, da congregação Filhas de São José, o Educandário Gonçalves de Araújo, pertencente à Irmandade do Santíssimo Sacramento da Igreja da Candelária. . Sempre foi a primeira em tudo. Deixando o Educandário, após haver completado dezoito anos, preparava-se para um concurso que iria decidir de seu futuro. Estudando em Copacabana, caíra nas malhas de um grupo de jovens da Rua Miguel Lemos deste bairro, sendo vítima de uma "curra", uma prática criminosa em que a vítima era atraída com blandícias para em seguida ser levada à força a fim de ser submetida aos atos escusos do grupo.
Custou-se a encontrar todos os culpados, respaldados por gente influente e poderosa; e o Processo Criminal, com suas vicissitudes irregulares e escandalosas, foi acompanhado pelas famílias brasileiras, de Norte a Sul do Brasil.
Até hoje, muito resta a esclarecer . São inúmeras as pessoas que desejam saber o que realmente aconteceu e quem era Aída Curi. Este fato foi e continua sendo emblemático neste último meio século de vida social de nossa pátria.
Muitos foram os jornalistas que em artigos ou reportagens publicados em revistas ou jornais interpretaram a seu modo o fato criminoso sem consultar a família da vítima ou agindo até contra a vontade da mesma, deturpando os fatos com informações imprecisas e falsas, e às vezes até, sem querer, conspurcando a honra de Aída .
E o que é mais: sendo interpelados pela família não se retrataram. Mesmo um importante canal de TV, em programa de grande audiência, teve a ousadia de levar ao ar um filme, sem levar em conta a oposição da família e até uma Notificação judiciária feita antes do programa. E deturparam os fatos , fazendo entender que ela subira porque quis e mostrando-a no terraço do prédio como ingênua, deslumbrada diante da praia de Copacabana, reagindo somente quando os assassinos tentaram o ato sexual. Preferiram eles crer na versão suspeita dos assassinos e no ouvi - dizer popular, desprezando a versão da família e as provas incontestes dos Autos.
Tentarei, portanto, resumir em poucas linhas o fato criminoso, dando a versão de nossa família, baseado nos Autos do Processo que tivemos em mãos e nas informações obtidas seja pessoalmente ou através de parentes, amigos, conhecidos ou entrevistados, relevando algumas incógnitas do crime acontecido no dia l4 de julho de l958.

O FATO CRIMINOSO

Terminada a aula do Curso de Datilografia na Escola Remington da rua Miguel Lemos em Copacabana, Aída sai em companhia de uma colega de Curso, como de outras vezes, dirigindo-se ao ponto do ônibus, quando ambas são abordadas por rapazes que costumavam se reunir próximo à rua Miguel Lemos. Isto aconteceu por volta das sete e meia da noite. Aída contava na época l8 anos e a colega 36; quanto aos rapazes, o mais jovem tinha l6 anos e os outros entre l8 e 22, sendo que o porteiro do edifício do crime 27 anos. Deixando cair umas chaves, e perguntando se era delas, com o objetivo de entabolar conversa, um dos implicados recebe de Aída a resposta "que não queria conversa" (fls. 84 dos Autos do Processo). Diante desta resposta desconcertante e que desencorajava os rapazes, um deles toma dela a caixa de óculos (fls. 45, 84 e 185). Momentos depois de lhe tomarem os óculos, foi-lhe arrebatada também a bolsa (fls. 405 v). O estojo com os óculos estaria nas mãos de um dos agressores no momento mais acirrado da luta lá no apartamento. "Entregou ao declarante um estojo de couro, com os óculos…dizendo : olha o que eu tomei dela" (fls. 16 e 45 ). A uma nova investida de um rapaz do grupo que dizia que devolveria os objetos se ela lhe desse um beijo, a determinação e atitude de Aída são claras. Segundo um dos presentes “Não deu nem quis dar o beijo pedido”( fls. 516 ). Ainda segundo os Autos do Processo, neste preciso momento, e quando Aída, indo em busca dos seus pertences (na bolsa estava também o dinheiro para voltar para casa fls. 7 ), já se encontrava bem em frente ao edifício Rio Nobre (fls. 405 v), afasta-se a colega, dizendo para os rapazes que deixassem Aída às 8 horas no ponto do ônibus (fls. 19). Aída , agora sozinha, tenta por todos os meios recuperar os objetos dela tomados. Em sua ânsia de retomá-los , e estando já às portas do prédio do crime, residência de um dos culpados, não desconfiou um segundo sequer das reais intenções dos rapazes, intenções que estavam bem longe de tudo o que ela poderia imaginar…Não se fale em “ingenuidade”, mas desconhecimento completo do grau da falsidade e da perversidade dos jovens já afeitos a este gênero de violência sexual. De fato, a « curra » já estava em andamento . A violência sexual era prática freqüente na Zona Sul do Rio.Os autores destes atos eram encorajados, de um lado, pela inércia da Polícia e, de outro ,pela impunidade, caso fossem presos. . Segundo os comentários ouvidos então, outras moças ja haviam escapado das malhas deste mesmo grupo de jovens que se reuniam na esquina da Rua Miguel Lemos, perto da Escola Remington onde Aída estudava Datilografia. A violência física propriamente dita teve início na porta do elevador social ( o qual era raramente usado pelos moradores do prédio ), para dentro do qual a inditosa Aída havia sido puxada. O detalhe desta primeira agressão, quando é introduzida no elevador à força , foi revelado à nossa família por duas testemunhas que preferiram na ocasião guardar o anonimato. Aída sente o pavor da agressão e da traição, reage, grita ("Bem que eu ouvi uns gritos",diz alguém à nossa mãe quando esta chega ao local na noite do crime), mas o elevador ja está em movimento. Pára no 12º andar e, segundo as primeiras notícias do jornal carioca "O Globo" aos l6 de julho de l958, foi dentro do apartamento 1201, ainda em construção, cheio de entulhos e às escuras, com o piso ainda não taqueado, que Aída continuou a se defender das investidas de dois ou três agressores, tendo Aída mesmo num primeiro momento tropeçado nas peças de madeira (esquadrias) (fls. 241). Perde os sentidos em conseqüência do stress após a luta desigual. Seu corpo em estado de completa exaustão física é transportado ao terraço, sendo utilizada para isto uma escadinha em caracol que do l2º andar conduz ao terraço; é colocado em seguida sobre o peitoril e lançado à Avenida Atlântica. É reveladora e importante no Processo (fls. 26) a pergunta feita ao porteiro do edifício por um dos envolvidos : "no dia em que a moça foi jogada , você não desceu pelas escadas ?" Poucos instantes depois de seu corpo haver tocado o solo, são vistos ao lado da vítima a bolsa, o caderno e o livro que lhe pertenciam. Dentro da bolsa foram encontrados o lencinho manchado de sangue e os óculos despedaçados. O lencinho dobrado e manchado de sangue dentro da bolsa era uma das provas da resistência de Aída, contra os interessados que desejavam fazer crer que todos os indícios de agressão encontrados em seu corpo não eram senão conseqüência da queda. Estavam, no entanto, ali a caracterizar a luta dos rapazes para a imobilização da vítima o rasgamento da anágua, bem como o violento arrancar do porta-seios (fls. 353). Mesmo na ausência de provas como estas, a violência ficou sobejamente provada durante a reconstituição do crime : a bofetada, o rasgamento das vestes… Poucas foram as palavras proferidas por Aída durante a luta ( pelo menos é o que nos referem os réus em seus depoimentos durante o Processo): "Deixem-me ir embora" e "Eu sou virgem". Era devota de Santa Maria Goretti , menina italiana de 12 anos, mártir da castidade. Aída escreveria com sangue o que havia registrado em seu caderno de notas pessoais: "Antes morrer que pecar". Um dia depois do crime, na sede do Instituto Médico Legal , secção de necrópsias, procedeu-se ao Auto de exame cadavérico do qual participaram os médicos legistas , doutores Mário Martins Rodrigues e Rubens Pereira de Araújo, indicados pelo Diretor do Instituto Médico Legal, Dr. Jessé de Paiva. Após acurada inspecção do cadáver no qual detectaram equimoses, escoriações e vestígios evidentes de sevícias diversas, foi colhida e distendida em lâmina, para pesquisa de espermatozóide, substância retirada dos condutos vaginal e ano-retal (fls. 60 v ) assim como foram examinados fragmentos de tecido de malha de cor negra. No dia primeiro de agosto os médicos legistas deram as conclusões das pesquisas : Negativo.(fls. 172) . Aída morrera virgem !

O CONTEXTO SOCIAL DA ÉPOCA

Vale lembrar ainda que, nos anos 5O, filmes de violência e rebeldia eram exibidos no Brasil e atingiam a psicologia mal formada de alguns adolescentes do Rio, exemplos "O Selvagem", com Marlon Brando e « Juventude Transviada », com James Dean.. O Rio de Janeiro vivia momentos inquietantes com o fenômeno da “juventude transviada”, protagonista também das famosas "curras". Esperava-se da Polícia reação pronta e mais severa. As famílias da zona sul estavam praticamente desamparadas. Duas ou três semanas antes da morte de Aída, um mendigo tinha morrido em Copacabana…incendiado por mãos criminosas de um jovem do bairro (fls. 130 v). Nenhuma notícia nos periódicos de então, sobre uma séria sindicância ou mesmo simples pesquisa policial com referência à autoria deste revoltante crime!… Para tornar mais dramático ainda o quadro social, a droga já se instalara em Copacabana. Não seria uma suposição infundada que alguns dos implicados neste crime já estivessem sendo aliciados por este vício. Falou-se na época que teria havido entorpecente no caso e inclusive que « bocas de fumo » existiam próximo ao local do crime. É quase impossível conhecer toda a profundidade da degenerescência moral do grupo que tentou arrebatar a honra e a inocência de Aída.

AS INCÓGNITAS DO CRIME

Muitas questões ficaram sem resposta até os dias de hoje: 1 – Deu-se realmente o fato, segundo se dizia, que Aída já era seguida há algum tempo pelo grupo, com objetivos inconfessáveis, sem que ela se desse conta ? 2- Teriam estado lá em cima, na hora da luta, outras pessoas que faziam parte do grupo, além dos dois que sendo maiores foram julgados pelo Tribunal do Júri e do menor implicado que não foi a julgamento mas recolhido ao Juizado de Menores ? Um dos envolvidos afirmou "conhecer os hábitos da turma, de quererem participar dos encontros amorosos dos companheiros" (fls 51). Comentou-se na época que, além destes três, outras duas ou três pessoas também subiram… e lá ficaram escondidas na hora do assédio criminal. Um deles declarou que, no momento da queda do corpo, esteve na entrada do prédio procurando pelo porteiro: "entrou no prédio, saindo pela Avenida Atlântica"(fls. 12 v) .O porteiro nao foi encontrado. Esclarece mais o mesmo declarante : "no preciso momento em que entrou, a moça caiu" (fls. 410).Este quarto personagem foi igualmente condenado a 1 ano e 3 meses de prisão. 3- Estaria apenas desfalecida ou estava já morta quando o seu corpo foi lançado ? 4- De quem partira a idéia macabra de arremessar o corpo ? Duas hipóteses foram levantadas na época : teria sido por iniciativa dos próprios rapazes, supondo que estivesse morta, ou a conselho de moradores e freqüentadores do prédio para simular o suicídio. 5- E quais as pessoas que lançaram o corpo ? 6- Quem desceu do alto do prédio para colocar o livro e a bolsa de Aída ao lado do cadáver na Avenida Atlântica? Um senhor nos contou que nada vira ao lado do corpo quando passava por ali exatamente após a queda do corpo.

SUICÍDIO OU HOMICÍDIO ?

Desde o início, foi descartada a hipótese do suicídio, quer pela Perícia Criminal quer por todos os que conheceram Aída. E aqui cabe uma pergunta ainda : Por que a Perícia Criminal só foi avisada três horas após o crime ? Que teriam feito os interessados neste espaço de tempo com o objetivo de despistar a Polícia da verdadeira e única versão do crime e fazer crer que a morte se dera por auto-determinação da vítima ? A exclusão da hipótese de um simples suicídio e ponto final coube inicialmente a um homem impoluto, o perito criminal Seraphim da Silva Pimentel. Este, após haver observado o corpo ferido brutalmente, durante o assédio sexual de que foi vítima, ordena a detenção do porteiro do edifício Rio Nobre, contrapondo-se , desta forma, àqueles que se esforçavam por fazer crer, desde o início,que se tratava de um simples suicídio.. Este perito afirmou-nos que se não fosse ele, o crime ia morrer no nascedouro… Sofreria este profissional experimentado e correto extrema pressão moral a fim de escamotear a verdade mas permaneceu inabalável… Mais tarde, seria afastado do Processo e substituído por alguém ligado à família de um dos implicados… Inúmeros detalhes permaneceram na obscuridade pois a nenhum dos implicados interessava revelar nomes de pessoas que por sua vez pudessem comprometê-los ainda mais. Ainda a ser esclarecidos detalhes que vêm corroborar de modo inequívoco a afirmação relativa a um real atentato violento ao pudor e tentativa de estupro , tais como : as marcas e contusões em seu corpo provocadas por objeto contundente (foi recolhido durante as investigações um anel com a efígie de São Jorge usado por um dos implicados) ; o ferimento causado pelo « soco inglês » , peça metálica usada para aumentar a contundência dos socos, (um detalhe da agressão a nós revelado por um dos entrevistados, que obtivera esta informação de um amigo que havia estado com um dos culpados na mesma noite do crime ) ; os ferimentos profundos no seio podendo ser provocados por unhas ou dentes (perícia jamais concluída) , assim como a não-apresentação das suéteres usadas pelos assassinos durante a luta com a vítima. Estas e muitas outras questões ficam aguardando a confissão da verdade por algum dos envolvidos a fim de tranqüilizar a própria consciência e dar satisfação à nossa família e à Sociedade .

« UM MAR DE LAMA »

Jamais se poderá aquilatar o jogo de influências para o acobertamento dos criminosos e o grau de conspiração do silêncio para a deturpação da verdade. O combativo jornalista e repórter brasileiro David Nasser terçou armas, ameaçado em sua incolumidade física, a fim de que as forças ocultas não prevalecessem… O advogado Dr. José Valladão, representante da mãe da vítima como parte assistente no processo-crime instaurado contra os responsáveis pela morte de Αída, convicto da inocência de Aída, nao titubeou em proclamá-la, alto e bom som. Haveria ele de enfrentar os advogados de defesa dos acusados, que em sua torpe e solerte ação para livrar os seus clientes da prisão, assacavam toda sorte de dúvidas sobre a virtude da vítima. A técnica da defesa dos acusados consistia em colocar toda a culpa sobre o menor implicado, tendo em vista que este não se sentaria no banco dos réus, em seguida fazer crer a todo custo a aquiescência de Aída às solicitações dos culpados e finalmente provar que se tratava de um suicídio. Falou-se da atuação de altas patentes das Forças Armadas e de figuras importantes da Polícia assim como de próceres políticos influentes , todos ligados aos implicados, ou parentes dos mesmos. Dizia-se ainda que o porteiro do prédio, que ficara foragido durante vinte anos, até que fosse prescrito o crime, fora protegido por alta patente das Forças Armadas. Era voz comum ademais que testemunhas, em número expressivo, que teriam muito para esclarecer, nunca foram ouvidas, foram afastadas para bem longe ou silenciaram com medo de represálias… O Promotor Maurílio Bruno de Oliveira Firmo, que atuou neste caso, falou de “um mar de lama” no Processo. Resta igualmente misterioso o porquê da impronúncia dos réus por um dos juízes do Processo, após a condenação dos mesmos a altíssima pena pelo Tribunal do Júri, presidido pelo juiz Octávio Pinto. No dia em que foi exarada esta sentença, o Brasil acordou sobressaltado!... A impronúncia motivou uma série de reprovações pelo Brasil inteiro, inclusive uma declaração, pela Imprensa, do Eminentíssimo Senhor Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Jaime de Barros Câmara que por sinal conhecera pessoalmente Aída, por ocasião das visitas que fazia periodicamente ao Educandário Gonçalves de Araújo, em São Cristóvão, o colégio de freiras dirigido pela Congregação das "Filhas de São José", onde Aída havia permanecido doze anos. Para tranqüilidade do povo, o renomado e douto Curador João Baptista Cordeiro Guerra, insigne mestre de Direito, reduziria a pó as razões da Impronúncia, mandando os implicados a novo julgamento, onde um deles foi condenado finalmente a 8 anos de prisão enquanto o segundo não foi julgado por estar naquele momento foragido.

UM APELO

Não resta dúvida que o esclarecimento dos detalhes da « Curra », bem como a denúncia e elucidação dos pontos obscuros do Crime e do Processo são de suma importância para que venham à luz ainda mais a inocência e a pureza de Aída. A nós não interessa absolutamente condenar ou acusar quem quer que seja, sobretudo após tantos anos passados. É importante saber também que nossa mãe antes de morrer perdoou a todos, em nome de seus quatro filhos, Nelson, Roberto, Maurício e Waldir. A carta data de 29-9-l975 com a conclusão "Com o perdão de todos os meus filhos". Assinado Jamila Jacob Curi. O leitor deste relato poderá imaginar a grandeza deste gesto, visto Aída ser filha única, e ela, mãe amargurada e perseguida pelas imagens da resistência desesperada da filha tão meiga e carinhosa. Queremos, sinceramente, dar aos culpados a possibilidade de recomeçarem uma vida nova, purgando pelo arrependimento o passado negativo, fazendo doravante somente o bem, logrando assim a paz e a serenidade para eles e para as suas famílias tão sofridas e provadas também. Tudo o que relatamos acima é também ocasião de um apelo a todo e qualquer conhecedor de fatos, jamais explicados ou suficientemente esclarecidos, para que digam o que sabem. Será um benefício para a sociedade que assim ficará ciente de que a verdade um dia vem à tona, que a mentira e o erro nao têm a ultima palavra... O conhecimento dos fatos bem como a reação popular , sem extremismos nem condenações e julgamentos, mesmo após quase meio século, são necessários para que casos como este não se repitam. E mais ainda : que as novas gerações saibam que o Brasil tem memória e que há quase meio século assistimos a um Crime e a um Processo em que campeou a corrupção e imperou a impunidade assegurada pelos grandes que deveriam salvaguardar a paz das famílias. O autor destas linhas deseja que fique patente a todos a sua inteira isenção de ânimo bem como fique conhecida a atitude de perdão incondicional da família ; outrossim faz votos que os leitores tenham estes mesmos sentimentos. Temos em Cristo a orientação fundamental : « Sede misericordiosos, como o vosso Pai celestial é misericordioso ».

Cairo, 14 de julho de 2006 Monsenhor Maurício Curi Irmão de Aída Curi

quinta-feira, julho 23, 2009


AÍDA CURI, uma Maria Goretti brasileira

Aída Cury, estudante de 18 anos recém-saída de um colégio de freiras (outras fontes dizem 23 anos), aceitou convites do Sr. Ronaldo Castro para supostas aulas particulares de inglês no apartamento deste na Avenida Atlântica. Ao chegar lá se deparou ainda com a presença de outro rapaz o Sr. Cássio Murilo Silva. Ela caíu ou foi jogada do terraço do edifício na Avenida Atlântica, depois de resistir ao violento assédio sexual de dois rapazes moradores do bairro. O crime revoltou a cidade e ambos foram condenados à prisão. Um deles era menor de idade, ficando recluso até 1962 no Serviço de Assistência ao Menor. O outro passou seis anos na cadeia. O principal efeito do episódio foi, talvez, o fim da inocência de Copacabana. A barra estava começando a pesar.


"A chamada “Juventude Transviada” era formada por jovens de classe média, poucos estudavam e nenhum deles trabalhava.

Aída Cury, uma moça de 18 anos, recém saída de um colégio de freiras, foi uma presa fácil para esses jovens. Convidada para ouvir um “LP” da época, foi conduzida até o apartamento de um desses jovens e lá teria sido “violentada” pelo grupo e depois foi jogada do 12º andar do prédio. O crime repercutiu em todo o Brasil. Aída Cury morreu como ainda hoje morrem muitas jovens."

Repórter Saulo Gomes



Leitura da sentença – 1959
O Cruzeiro - 2 de abril de 1960





Aída Cúri morreu duas vêzes. A primeira foi há 20 meses, quando os monstros curradores a atiraram do alto do Edifício Rio Nobre à calçada. A segunda foi agora, quando o júri espezinhou a sua memória, absolvendo um criminoso da laia de Ronaldo Guilherme de Souza Castro. O júri salvou o tarado currador, mas, ao mesmo tempo, morreu no conceito público como instituição de justiça. A absolvição dêsse asqueroso Ronaldo veio demonstrar que justiça nesta terra parece que ainda tem de ser feita com as próprias mãos. Graças a Deus que as palmas batidas na hora em que o Juiz pronunciou a sentença absolutória partiram de blocos de rapazes e môças transviados, que agora têm em Ronaldo o seu ídolo e o seu patrono. Em São Paulo, durante um baile em que se dançava “rock'n'roll”, meninas e molecotes gritaram “Ronaldo! Ronaldo!”, no instante em que lá chegou a notícia de que o matador de Aída conseguira escapar às garras curtas da Justiça. Mas, em compensação, no seio das famílias brasileiras, em todos os rincões dêste País, mães e pais, avôs e avós, filhos e filhas de alma pura e boa formação, quedaram-se estupefatos e baixaram os olhos desolados, porque acabava de ser oficializada a curra no Brasil. De agora em diante, as mães de família devem ensinar a suas filhas a arte de manusear revólveres, porque só assim poderão fazer justiça aos Ronaldos que andam soltos por aí - e que, de agora em diante, hão de proliferar como erva daninha. Agora, a ninguém é lícito esperar justiça de um júri como êsse, que desprezou as provas do processo para absolver um monstro cínico como Ronaldo.

Disse o Promotor Maurílio Bruno que correu um mar de lama por baixo do processo Aída Cúri. E, nêle, muita gente mergulhou para soltar “testemunhas-bombas” e perturbador o curso normal da Justiça. Doravante, só os criminosos vulgares, os assassinos das favelas, os “Carnes-Sêcas” e os “Cabeleiras” continuarão temendo a Justiça. Os Ronaldos continuarão seguros da impunidade. A verdade é dolorosa, mas deve ser dita: condenar criminoso rico, por mais que se trabalhe no sentido de defender a sociedade, é tarefa das mais difíceis. Em tudo isso, há fatos que nos deixam boquiabertos. Um dos jurados que absolveram Ronaldo é pai de uma jovem que, há pouco tempo, quase foi currada. Para defender a filha, êsse jurado agrediu o autor do atentado e foi defendido na Justiça pelo Dr. José Valadão, advogado da família de Aída Cúri. Pois êsse jurado foi dos que mais batalharam pela absolvição do monstro de óculo escuros! Por aí se pode imaginar que tramas teriam sido urdidas nos bastidores do julgamento dêsse verme humano que se chama Ronaldo. Provas existem de sobra, no processo, para condenar Ronaldo, Cácio Murilo e o porteiro.

Mas, em vez de ouvir a leitura dessas provas, vários jurados dormiram e roncaram durante a sessão. Se não fôsse proibido fazer fotografias em plenário, poder-se-ia ter documentado, fartamente, jurados comunicando-se entre si e até mesmo um dêles trocando palavras com o Dr. Romeiro Neto, advogado de defesa. Uma só dessas fotografias seria suficiente para anular o julgamento.  
A ABSOLVIÇÃO de Ronaldo deixou traumatizada e desiludida a família brasileira. Dom Jayme de Barros Câmara, Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro, lamentou a decisão do Júri com as seguintes palavras: “Delinqüentes como êsse devem ser severamente punidos. Enquanto Aída Cúri era vítima, não só a opinião pública, mas o próprio Júri se voltou contra Ronaldo. Quando êste passou a vítima, pelo número de anos a que foi condenado, o sentimentalismo brasileiro fêz com que todos lhe fôssem favoráveis.


Acho necessário um castigo exemplar para criminosos dessa espécie, que muitas vêzes têm ficado impunes. Não falo apenas no caso Aída Cúri, mas de outros semelhantes, que aumentam dia a dia pela impunidade. É por essa impunidade, que nada corrige, que os crimes se multiplicam”


Pelo menos 2 pessoas espancaram Aída

O GRANDE álibi de Ronaldo, a tal mulher de prêto que disse ter estado ao lado do monstro, num banco da praia de Copacabana, na hora em que Aída caiu ao solo, foi destruído pelo próprio “playboy” currador. Espremido e cercado por todos os lados pelo Juiz Roberto Talavera Bruce, verdadeiro detetive togado, Ronaldo caiu em tantas contradições que, num júri normal, estaria irremediàvelmente perdido. Ronaldo desmentiu frontalmente a testemunha que viera em seu socorro. - Que havia dito D. Lecy Gomes Lopes, a chamada “testemunha-bomba”, mas para nós apenas “testemunha-traque”? Disse que, passeando com a sua filha e uma empregadinha, se sentara num banco da Av. Atlântica, defronte à Rua Djalma Ulrich, onde já se encontrava um casal que depois viera a saber tratar-se de Ronaldo e Zilza Maria Fonseca. Ronaldo desmantelou essa farsa, ao dizer ao Juiz Talavera Bruce que vinha passeando com Zilza pela praia, e, que ao chegarem os dois ao tal banco, já se encontrava lá uma senhora, uma môça e uma criança de 3 anos. Quando Ronaldo fêz tal afirmativa, a assistência murmurou de espanto: - Será que êsse imbecil não é capaz sequer de decorar um depoimento?

Depois, veio o Advogado Wilson Lopes dos Santos (vide artigo de David Nasser em outro local), tentando, com desculpas esfarrapadas, convencer o pessoal da Imprensa de que a contradição de Ronaldo era prova de que o seu depoimento e o de D. Lecy não haviam sido prèviamente combinados. Mas, o mesmo Wilson Lopes dos Santos (vide artigo de David Nasser), confessou mais tarde na televisão que fôra mostrar o depoimento de ao assassino de Aída, no Presídio. Ronaldo contradisse D. Lecy por dois motivos: 1º) Porque a história do banco da praia e a história do encontro com Zilza nunca se passou. Se tivesse havido, Ronaldo se lembraria dos detalhes, porque quem não mente não cai em contradições; 2º) Porque Ronaldo é burro demais. Sempre foi mau aluno, sempre teve notas baixíssimas, sempre foi reprovado nos colégios. Decorar um depoimento é carga excessiva para o seu cérebro, que só é capaz de gerar idéias mórbidas de curras. Ora, se Ronaldo mencionou até o lotação “Usina-Copacabana”, que teria tomado para ir das imediações do Edifício Rio-Nobre ao encontro de Zilza, por que não iria lembrar-se do que acontecera no banco da praia? Chegara antes ou depois de D. Lecy? Além disso, Ronaldo titubeou, gaguejou e acabou não indicando com precisão a rua ou a esquina em que se teria encontrado com Zilza na noite do crime. A tal ponto estava mentindo que o Juiz Talavera Bruce, grande magistrado e grande “sherlock”, se irritou e perguntou: - “Então o senhor marca encontro com uma môça, que é o seu alibi, e não sabe onde foi?”







Os advogados de Ronaldo tentaram desesperadamente demonstrar que a prova pericial feita no caso Aída Cúri não tem consistência. Ora, a prova técnica é das melhores que até hoje se produziram nos laboratórios do Instituto de Criminalística e no Instituto Médico-Legal. Quem lê os laudos dos peritos se sente revoltado com o fato de se absolver um crapulóide como êsse Ronaldo Guilherme de Souza Castro. O Juiz Roberto Talavera Bruce demorou nada menos de 12 horas lendo o processo. Não deixou de apresentar aos jurados uma peça sequer dos autos. Estava tudo lá, claro, nítido, irrefutável. Como se isso não bastasse, foram chamados os peritos a plenário. Antônio Carlos Villanova, o homem que periciou o suícidio de Getúlio Vargas e que tem curso de especialização no F.B.I., repetiu, com detalhes, o que havia afirmado em relatórios oficiais. Disse que os danos causados nas vestes de Aída apresentam o aspecto típico daqueles em que a vítima está contida por alguém, enquanto outra pessoa pratica as violências. Para que as roupas da pobre mocinha apresentassem os rasgões que de fato apresentam, era preciso pelo menos dois agentes, dois agressores. Quando os rasgões são produzidos na roupa de alguém que foge, êles têm características diferentes da do caso Aída. Essa jovem, com tôda segurança, deveria estar sendo contida por uma pessoa, enquanto outra lhe causava danos na roupa e no corpo. Isso foi dito em alto e bom som, em pleno Tribunal do Júri, pelo perito Villanova. Outro ponto que os advogados da defesa tentaram desvirtuar é o relacionado com a ruptura do “soutien” de Aída. O perito Villanova deixou bem clara a questão: o rompimento lateral no “soutien” foi decorrente da queda, o que se verifica, aliás, em todos os casos em que mulheres caem de grande altura. Mas o rompimento das alças do “soutien”, êsse foi provocado pela ação violenta dos agressores, antes de ser ela atirada do terraço à calçada. Houve tração violenta das duas alças, de cima para baixo, simultâneamente, com ação de duas mãos, causando seu rompimento. Por êsse motivo é que a blusa de Aída estava manchada de sangue, ao passo que o “soutien”, não. É que êste estava baixado, rebentado pelas alças, e o sangue, que corria das unhadas no seio esquerdo, não podia atingi-lo, manchando apenas a blusa, que estava em contato direto com o busto. Nos seus relatórios, os peritos criminais sempre deixaram bem claro que, para levar Aída ao estado de exaustão, um só agressor, mesmo usando de muita violência, não seria suficiente. Seriam necessários pelo menos dois agentes para, agindo simultâneamente, espancarem Aída até o desmaio.

Aliás, o médico legista, Dr. Mário Martins Rodrigues, que autopsiou o cadáver de Aída, declara que não encontrou nela nenhum estado de debilidade orgânica. A jovem não seria levada com facilidade ao estado de “stress”, ou seja, de exaustão total. Outro ponto que os advogados de Ronaldo distorceram a seu bel prazer foi o tocante às equimoses e escoriações constatadas no cadáver de Aída. Êles forçaram a realidade dos fatos, visando a demonstrar que essas escoriações e equimoses só poderiam ter sido provocadas pela queda. Na realidade, se o legista Mário Martins Rodrigues fôsse perguntado, explicaria que tais equimoses e escoriações tanto poderiam ser provocadas pela queda, como antes da queda, no terraço por sôcos e pancadas. Essa é que é a verdade dos fatos. Para se ter idéia do esfôrço dos advogados de Ronaldo para escamotear a realidade das provas periciais, basta mencionar isto: o Advogado Romeiro Neto pretendia que o médico legista declarasse que o sangue que brotou nos lábios de Aída fôra provocado por uma fratura no maxilar superior, após a queda. Romeiro Neto, quando está na tribuna de um júri, babando pelo canto da bôca, acha que o resto da humanidade é idiota. Ora, o médico legista encontrou um ponto de congestão sanguínea na gengiva. Declarou que dali vertera sangue, em conseqüência do sôco que a vítima levara. Com o seu lenço, Aída limpara êsse sangue que corria. Depois, dobrou de novo o lenço e colocou-o na bôlsa, onde foi encontrado pela Polícia. Romeiro Neto, a velha rapôsa que baba pelo canto da bôca, queria que a infiltração de sangue na gengiva, oriunda de um sôco, fôsse causada pela quebra do maxilar superior, na queda do terraço ao solo... Mas não é só: o perito Murilo Vieira Sampaio dispõe de documentação completa sôbre as frações de tempo consumidas na subida e descida dos elevadores, com Ronaldo e Aída, depois com Cácio e depois, ainda, com o porteiro. Calculou, com a maior exatidão, o tempo de duração das cenas de violência no terraço, de acôrdo com a cronometragem feita durante a reconstituição do crime. Essa cronometragem demonstra que de maneira alguma Ronaldo poderia ter abandonado o terraço às 20.15 h para ir encontrar-se com a farsante Zilza Maria Fonseca. E isso apenas porque, às 20.20 h, êle ainda estava rondando o Edifício Rio-Nobre ao lado de Aída, tentando encontrar um local aonde levá-la. O velho e consagrado Promotor Cordeiro Guerra, que marcou indelêvelmente sua passagem pelo Tribunal do Júri e hoje exerce as funções de Curador da Justiça do Distrito Federal, no seu arrazoado com que fulminou a sentença de impronúncia do Juiz Souza Netto, desenha, com perfeição, o que deve ter-se passado no terraço com Aída Cúri.

Depois de se defender bravamente contra quem pretendia violentá-la, foi atirada ao solo quando já inerte. Ora, se não gritou, estava impedida de fazê-lo. Se não fugiu, foi porque foi agarrada, estava contida. Se a sua blusa foi levantada, se o porta-seios foi arrancado, se o seu corpo foi maculado por mãos ou unhas criminosas, forçoso será concluir que uma só pessoa não poderia fazer isso tudo ao mesmo tempo, isto é, agarrar, tapar a bôca, evitar a fuga e tentar a violência sexual, rasgando as vestes e ferindo o seio. Provada a violência sexual, provada a morte, nada mais natural que admitir-se, só pelos exames técnicos, a pluralidade dos agentes. Só a pluralidade dos criminosos explica que a vítima não tenha fugido, ou simplesmente gritado por socorro, até cair exausta, com a circulação sanguínea suspensa. O que pouca gente talvez saiba, o que nem Ronaldo, Cácio e o porteiro talvez saibam é que as cenas de reconstituição do crime, no terraço, foram cronometradas pelos peritos, sem que êles, os implicados, percebessem. E é por isso que se pode afirmar, com tôda segurança, com certeza matemática: Ronaldo não deixou o terraço às 20.15 h como pretende fazer crer, com a conversa mole do encontro com Zilza. Costumam certos advogados do Fôro, amigos do Juiz Souza Netto ou amigos dos advogados dos curradores, dizer que quem lê o processo de Aída não encontra elementos capazes de condenar Ronaldo ou quem quer que seja. Compreendo o porquê dos palpites dêsses causídicos. Êles vivem de defender criminosos e, a esta altura, a boa amizade com o Juiz Souza Netto é trunfo dos mais preciosos para o bom andamento de uma causa. Dizer que o processo de Aìda Cúri não contém elementos para condenar Ronaldo Castro deixa de ser má-fé, ou interêsse pessoal. É burrice.

JÚRI

O “Correio da Manhã”, do Rio de Janeiro, publicou em sua edição de 15 de março o seguinte editorial sôbre a absolvição de Ronaldo de Castro, acusado como um dos matadores da jovem Aída Cúri:

“O CASO dos dois julgamentos de Ronaldo de Souza Castro, no Tribunal do Júri, dá que pensar. Dá que pensar na instituição do Júri no Brasil. É estranhável essa instituição que, funcionando duas vêzes, uma quase em seguida à outra, conclui da primeira que um réu merece por crime de homicídio 25 anos de prisão, e da segunda que deve ser absolvido. Ronaldo que fôra condenado a 37 e meio anos de prisão (os restantes por atentado violento ao pudor e tentativa de estupro) fica apenas com as penas por crime sexual agora. É verdade que o promotor vai apelar para novo julgamento, agora para o Tribunal de Justiça, e conforme forem as coisas, Ronaldo poderá voltar ainda ao Júri que sabe Deus o que fará.

Êste jornal, examinando o horrendo assassínio de Aída Cúri, desde o início do caso, firmou sua opinião de que o desfecho, o homicídio pròpriamente dito, era culpa de Cácio Murilo, que no primeiro Júri foi acusar Ronaldo, embora não possa ser julgado por ser menor... Exculpar Ronaldo (e o porteiro Antônio João) de colaboradores de Cácio mesmo no homicídio, parece-nos, porém, falsear o papel da Justiça. A Justiça é cega a influências estranhas, a subôrno, a impactos emocionais injustificáveis. Não é cega à conformação geral de um crime. Ronaldo, que agrediu Aída, tentou violentá-la e a abandonou lívida de pavor à sanha do seu sinistro cupincha Cácio, é também culpado de homicídio. Não no mesmo grau daquele que, ao que tudo indica, empurrou a vítima do alto do edifício, mas como cúmplice. Se virmos alguém afiar uma faca e passá-la a outro para que cometa um assassínio, não vamos concluir que exerceu um simples papel de amolador de facas. Tirar Ronaldo, por completo, do quadro do homicídio de Aída Cúri parece-nos um insulto ao senso de humanidade de nós todos - e ao próprio bom senso.

Mas que dizer do Júri, que parece funcionar no Brasil ao sabor de todos os ventos? Que houvesse diminuído a pena de Ronaldo compreenderíamos. Mas apagá-la por inteiro? Passar de 25 anos, um quarto de século, a zero, em pouco mais de um mês?

A idéia do Júri é a de submeter um acusado ao juízo de seus, concidadãos, chamados a opinar sôbre os fatos do caso, e apenas sôbre os fatos, mas de um ponto de vista mais geral do que o da Justiça togada. Será que, no Brasil, os males de uma meia educação da qual estamos ainda longe de nos livrar é que se reflete no Júri de forma tão desapontadora? Num país como o nosso onde felizmente não existe pena de morte não se justifica a brandura, quase a moleza com que o Júri absolve criminosos medonhos. Por isso mesmo existe entre nós, uma grande e responsável corrente de pessoas contra o Júri: temem que essa moleza nos leve, por uma reação, à pena capital.

O segundo julgamento dêsse Ronaldo coloca mais uma vez o Júri em situação estranha. Assim como o caso, mais terrível ainda, do seu cúmplice e agora inimigo Cácio (como no cinema os “gangsters” quando apanhados, sempre se acusam mùtuamente) coloca em xeque nossa concepção penal do menor.

A Justiça no Brasil precisa de uma remodelação. No passo em que vamos, estamos abrindo caminho para os que desejam o pior: a pena de morte, para que no Brasil a vida não continue a ser um objeto tratado com tanto desdém pelos Cácios e Ronaldos.”

Resposta a um crápula

QUE FARIA VOCÊ, LEITOR, SE UM CÃO RAIVOSO LHE MORDESSE A PERNA?

Um pobre diabo de nome Wilson Lopes dos Santos, advogado e achacador nesta praça, fêz contra o Jornalista afirmações infamantes em plena tribuna do Júri. Não acompanhou as suas palavras com um simples documento, uma data sequer, um nome, uma referência. Mandou, em seguida, um recado aos repórteres de televisão para repetirem lá fora as suas imundices. Ora, o Jornalista que o vinha poupando até então no que diz respeito a certos episódios de sua vida passada e atual, bem como aos demais personagens dessa verdadeira gang que assaltou o 1º Tribunal do Júri, não podia manter para com êle a mesma atitude condescendente que adotou em relação a outros envolvidos, como defensores ou parentes de Ronaldo, nesse episódio que envergonha a justiça popular de uma nação.

MINHA resposta a êsse imbecil (W.L.S.), cuja burrice se mede como certos terrenos, vinte de frente por quarenta de fundos, não se fêz esperar, através da televisão, o mesmo veículo utilizado por êle em suas infâmias. Certos jornais as repetiram e volto à Imprensa, que é a minha tribuna, para também responder ao ataque escrito. Os falsos catões do Forum acharam severa, dura demais a lição. Isto porque não sentiram na carne a ofensa baixa que a bôca enegrecida pela calúnia de um advogado duplamente infeliz - no Forum e aqui fora - espalhou por todos os cantos.

HAVÍAMOS prevenido que a luta seria aceita no terreno em que fôsse posta. O pai de Ronaldo, por exemplo, não teve a décima parte de sua vida pregressa revelada, nem o Dr. Romeiro Neto. Mantiveram-se no terreno dos ataques de bastidores, das ameaças de rádio, dos insultos murmurados na Sala dos Passos Perdidos. Contra mim e contra o Arlindo Silva. Tática de desmoralização.

O EQÜESTRE Wilson Lopes dos Santos foi além. De volta do pasto, de onde saiu bem alimentado pelo capim-mimoso do Espírito Santo, sentiu-se bastante forte para jogar sôbre a vida particular, sôbre a honra pessoal do Jornalista, a sua baba peçonhenta. Que queriam essas vestais do Forum? Que o Jornalista voltasse e em linguagem serena, repelisse o insulto? Acaso se espanta um cão danado com gritos? Limpa-se a lama com espanador? Eu sempre disse que para certos adversários, para certos ataques, sòmente determinadas respostas têm efeito. Daí o revide. Àspero, rigoroso e merecido. O Dr. Wilson jogou lama contra um ventilador. Recebe-a de volta.

FUI buscar a tinta no tinteiro do Dr. Wilson Lopes dos Santos. Fui buscar o pus na sua própria alma, para lhe dar a resposta. Os catões que vão plantar batatas. Que apliquem as regras para si, quando o insulto, a infâmia, a mentira atingirem as suas vidas, os seus lares. De minha parte, repito, acho que mesmo um cão raivoso merece uma resposta, nem que seja a de um pontapé.

FOI por isso que dei aquêle corretivo nesse patife, nesse monumento nacional de boçalidade chamado Wilson (com perdão da palavra) Lopes dos Santos, que desonra o Forum do Rio com a sua presença. Revoltei-me tremendamente quando êle disse que era árabe. No Wilson? Perguntei. No Lopes? Insisti, No Santos? Desanimei. Perdurava o mistério oriental de sua vida. “- Se houver realmente algum árabe metido nisso, jamais o Oriente resgatará essa dívida para com o Brasil”.

FOI por isso, por suas palavras sórdidas, que desafiei êsse caluniador de última hora a provar o que disse, concedendo-lhe vinte e quatro horas para apresentar o processo a que, segundo êle, respondo por crime infamante. Nunca respondi em tôda a minha vida a um só processo que não fôsse de Lei de Imprensa. Se êsse chacal do Forum apresentar qualquer prova, comprometo-me a abandonar o jornalismo. Êle, por sua vez, caso não prove, deixará de advogar, se a essa gatunagem forense se pode chamar de advocacia. Nesse sentido, mandei uma carta à Ordem dos Advogados do Brasil, desafiando-o a exibir qualquer prova do que disse, com o cinismo de todos os salafrários de sua marca.

VOCÊ Wilson Lopes dos Santos, não é advogado nem árabe. Um advogado, ouvindo o seu constituinte e ficando inteirado do seu caso, pode reconhecer muitas vêzes que a razão está do lado dos seus competidores do pleito. Mas não precisa, para salvá-lo, espalhar mentiras e calúnias, sujando com o excremento sólido de sua alma, com a sua ignorância líquida, a todos aquêles que tomam partido contrário. Por que fui piedoso, por que estou sendo piedoso com o Sr. Edgard Castro, não destruindo muitos argumentos sentimentais que êle usa extraprocessualmente? Por que estendo essa piedade ao Dr. Romeiro Neto, a êle que foi tão impiedoso com a memória de uma virgem? Simplesmente porque, se um queria me matar, se outro quer me ver morto, ambos pararam no limiar da minha honra, detiveram-se no umbral de minha porta. Um dia, entretanto, talvez chegue à conclusão de que trabalham em equipe. Que o pùstulazinho do Wilson (com perdão da palavra) Lopes dos Santos é o homem-rã nesse lodaçal de misérias. Nesse dia, tratarei tôda a equipe como se fôsse uma pessoa só. Chamarei o Dr. Mário Gameiro como consultor-jurídico e mandarei que êle dê, com as suas palavras quentes, algumas palmadas nas nádegas envelhecidas do Dr. Romeiro. Quanto ao Dr. Edgard Castro, êle sabe a que me refiro. Defenda o seu filho, no que faz muito bem. Permaneça nos limites razoáveis. A mesma advertência faço a todos êsses lampiões togados, porquanto êles regerão a minha orquestra. Por insulto, receberão insulto e meio. Nada ficará sem resposta. Ninguém ficará do lado de fora.

NATURALMENTE, quando me refiro a insulto, não incluo nessa possibilidade o Dr. Wilson (com perdão da palavra) Lopes dos Santos. Essa coisa. Êsse bonifrate de gazua em punho que perambula pelos corredores do Forum do Dr. Souza Netto, como um batedor de carteiras criminal em busca de trabalho. Eu não o insulto, Wilson Lopes dos Santos, caluniador ordinário, ladrão de galinhas em matéria de processos. Eu não poderia insultar o insulto. Isso não seria possível, mesmo que eu me superasse. Nem Bocage conseguiria insultá-lo. Você é o maior palavrão vivo que conheci em tôda a minha vida. Em matéria de xingamento que anda, fala e pensa, o tal andarilho oriental, embuçado, fêz uma verdadeira obra-prima. Ah, mascate de gênio! Ah, raça de homens imaginosos e hábeis! Mas, aqui entre nós, Wilson, você tem certeza mesmo? Não teria sido a 1002ª história das Mil e Uma Noites que alguém lhe contasse nas ruas de Barbacena, sem nenhum fôro de verdade? Não me posso conformar, meu Aladin da Mantiqueira, que haja na sua árvore genealógica um homem de turbante, um árabe de verdade, emprestando-lhe, mesmo parcialmente, um pouco do sangue quente e generoso dos emires. Na sua vida, no seu passado, na sua falta de compostura, você nada tem de árabe. A revelação que você fêz ao microfone não constitui apenas uma dúvida, mas um insulto. Insulto a uma raça que não tem culpa de que, em uma noite de carnaval em Barbacena, alguém lhe tenha contado essa mentira de bandolins ao luar. Por favor, Wilson, diga que é mentira e lhe perdoarei todo o resto. Diga-me que êsse tio-avô ou bisavô fantasiava-se de árabe, tinha olhos de árabe, tinha bigode de árabe, gostava de quibe, bebia arak, mas não era árabe. Ou então, que tudo não passou de uma linguaguem simulada, de uma simples maneira de dizer, quando você assegurou que havia contribuição árabe no seu sangue. Diga que foi algum doador levantino que o salvou, numa transfusão de emergência. Diga tudo, Wilson, mas, por Alá, não diga que tem sangue árabe - porque êsse não flui nas veias dos canalhas. Apague de sua vida essa fantasia de Bagdá, e deixe as raízes de sua árvore enterradas na terra generosa de Barbacena, no sopé da Mantiqueira, embora nem uma nem outra possam ser responsabilizadas por isso. Ou antes, por você. Por você que deve ter sido a compensação que a História deu à região que produziu um Santos Dumont. A terra onde a águia fêz o seu ninho deu à luz um rato.

AH, que saudade do Tribunal do Júri dos tempos de Magarinos Tôrres, de Ari Franco, de Faustino Nascimento, quando essas quadrilhas não operavam, quando não havia lugar para êsses bandoleiros togados que vendem sentenças, que compram impronúncias, que enlameiam a Justiça. Que inveja do 2.º Tribunal, o do Bandeira Stampa. Não sei por que o pinho não se transforma em peroba e desce em forma de cacête sôbre êsses venais do 1º Tribunal.

NÃO abandonaremos, contudo, a nossa campanha. Temos a mania da persistência, buscando um código moral para um mundo insensato. Não nos sentimos cansados de terçar armas contra essas rochas monolíticas que ainda por séculos servirão de muralhas protetoras aos crápulas como Ronaldo ou Wilson (com perdão da palavra) Lopes dos Santos, canalhas que desenterram o corpo de uma virgem, através da palavra dessa Dona Fifi forense, o Dr. Romeiro Neto, para cobri-lo de lama, exibindo-o à face de um júri discutível e altamente suspeito.

NÃO tenho satisfação a dar a bastardo nenhum, árabe ou não, que se utiliza do recinto do Tribunal do Júri para acusações sem provas. Lamento que a ofensa pessoal tenha-me desviado do verdadeiro e único rumo - que é o da condenação dos responsáveis pela morte de Aída Cúri. Só êsse rumo me interessa. Mas, sempre que houver um insulto a responder, sempre que houver uma infâmia a rebater, sempre que houver uma mentira a destruir, voltarei. Não me importa o julgamento dos catões. Sempre que um cão danado tentar morder a minha perna, encontrará pela frente um homem prevenido. Mesmo que êsse cão danado tenha nome de gente, como por exemplo Wilson Lopes dos Santos. Ou ainda que encubra nesses apelidos tão nacionais, um árabe hipotético, e, como o Júri, altamente suspeito.
                                                         DAVID NASSER